26.9.04

Quando os "Homens-Bomba" São Mulheres

Em dezembro de 2003, uma mulher se suicidou matando mais cinco outras pessoas num atentado a bomba no centro de Moscou. Antes, no outono, uma mulher-bomba matou 21 outras pessoas num restaurante lotado em Israel. Agora, no massacre de Beslam, aparecem novamente as mulheres. Esses casos e vários outros ocorridos antes ilustram uma importante fraqueza na nossa estratégia antiterrorista. O perfil oficial do terrorista típico desenvolvido pelo Departamento da Segurança Interna dos EUA para analisar a concessão de vistos e a permanência de emigrantes no país se aplica apenas a homens.

Esse perfil foi desenvolvido antes do advento das salas de bate-papo do islamismo recrutarem militantes para a jihad, antes de a Guerra do Iraque aumentar o sentimento mundial antiamericano e antes de as mulheres começarem a servir como suicidas para as organizações terroristas islâmicas.

De acordo com um programa iniciado antes de 11 de setembro de 2001, as concessões de vistos para pessoas do sexo masculino entre 16 e 45 anos passam por uma averiguação especial. No entanto as mulheres, mesmo aquelas de países conhecidos por abrigar terroristas, não estão sujeitas a esse programa.

O mesmo ocorre com o requerimento que residentes estrangeiros com origem em países como Paquistão, Iêmen e Arábia Saudita registram no governo federal -a fiscalização vale só para os homens. Terroristas procuram vulnerabilidades nas medidas governamentais do inimigo. Quando detectores de metal foram instalados nos aeroportos, terroristas encontraram outros meios para atacar aviões.

Quando governantes começaram a proteger suas embaixadas com barreiras de concreto, terroristas adotaram explosivos mais potentes.

Perfilar exclusivamente homens e focar a vigilância estritamente em países famosos por servirem de bases terroristas deixam significativas brechas que não têm sido fechadas, a despeito de o FBI reconhecer que a Al Qaeda tem recrutado mulheres e a despeito da descoberta, na última primavera, que uma estágiaria do MIT pode ter servido de suporte logístico para a Al Qaeda.

Embora mulheres representem apenas uma fração dos terroristas espalhados pelo mundo, é ingênuo acreditar que elas não sejam recrutadas por grupos extremamente violentos.

Mulheres são responsáveis por um terço dos ataques suicidas executados pelos Tigres Tâmeis, em Sri Lanka, e dois terços daqueles efetuados pelo Partido dos Trabalhadores do Kurdistão. Mulheres têm fundado e liderado grupos terroristas, seqüestrado aviões, servido em todas as unidades militares, implodido prédios e assassinado líderes políticos. O que há de novo é que mulheres estão participando de ataques em nome de organizações que promovem as causas islâmicas.

Os grupos islâmicos tradicionalmente são contra o uso de mártires femininas. Mas, como resposta ao primeiro ataque de um mulher-bomba em Israel, em janeiro de 2002, o sheik Ahmed Yassin, líder espiritual do Hamas, morto há dois meses, pareceu esmorecer em sua posição quando disse que mulheres poderiam participar de ataques se não existissem homens disponíveis, contanto que elas fossem comandadas por homens.

O xeque Yusuf Qaradawi, decano de estudos islâmicos na Universidade de Qatar e especialista em islamismo, mexeu com essas convicções declarando que "a participação de mulheres em operações de martírio é um dos atos mais louváveis de adoração". Uma mulher pode "ir para a jihad mesmo sem a permissão do marido", afirmou, e pode, se necessário, viajar sem comandantes homens e sem o véu.

As roupas religiosas das mulheres muçulmanas e as normas para resguardar os corpos poderiam tornar mais fácil para elas transportarem armas, como foram vários casos durante a Guerra da Argélia. Mulheres ainda despertam menos medo ou suspeita quando em situação de violência física. Como resultado, elas às vezes recebem menos atenção durante vistorias ou inspeções.

A falta de vigilância sobre as mulheres ao entrarem nos EUA e o normalmente sustentado e correto ponto de vista de que mulheres são menos propensas à violência fazem com que a Al Qaeda volte seus olhos às mulheres e outros recrutas que não se encaixem no perfil padrão.

Segundo especialistas em inteligência, a Al Qaeda está procurando recrutas ao redor do mundo nas prisões ocidentais e nas cidades interioranas na América hispânica e entre franceses convertidos ao islã. Por meio de comunicação pela internet está levando indivíduos a criar suas próprias células e a promover seus próprios golpes, sem necessariamente serem integrantes de uma organização militante já existente. Esses autônomos também estão recrutando mulheres.

Apesar de agredir o legitimado padrão nascido da relação com as liberdades civis, o modelo apela para burocracias durante o período de guerra porque isto os obriga a desenvolver um padrão operacional de procedimentos, facilitando e suavizando a pressão sobre aqueles que nos protegeriam.

Isso também facilitou a procura por terroristas até agora suspeitos. Mas nós estamos lutando contra um inimigo que continua a mudar suas táticas, suas propostas de missão, sua etinicidade, sua nacionalidade e o sexo de seus recrutas. Isso significa que nós precisamos considerar menos essas variantes como indicadores de perigo em potencial.

Um instrumento muito mais poderoso seria uma inteligência humana maior e melhor que nos habilitaria a penetrar movimentos armados, monitorar seu modo de recrutamento e prever sua evolução incluindo o tipo de pessoas que serão recrutadas e, ultimamente esquecido, seu apelo para a população em geral. Na ausência de tal inteligência, traçar um perfil pode ajudar, mas apenas se aqueles que policiam as fronteiras recebem uma constante e regular atualização da situação. Com um inimigo tão multiforme, para manter nosso padrão operacional vinculado a critérios como raça e baseado em sexo, é pôr a segurança do povo americano em risco.

Jessica Stern é especialista em terrorismo da escola de governo Kennedy, Universidade Harvard; é autora de "Terror em nome de Deus" (ed. Barcarolla)

(da Folha de São Paulo, de 26 de setembro de 2004)